Mansur
Som
A
rádio de poste do Belo Centro
Escolhi, para fazer esse trabalho, a rádio de poste do centro
comercial de Belém, cuja história se confunde com a história de vida da minha
família, e, portanto, com a minha própria.
Desde o final da década de 40, meu avô materno, o Sr.
Antônio Mansur, brasileiro com ascendência árabe nascido em Maués, Amazonas, instalou
e comercializou anúncios comerciais na praça da igreja matriz na Vila do
Mosqueiro.
O sistema era muito simples: bocas de ferro instaladas
no alto dos postes da praça e muita disposição pra bater perna e vender seu
produto entre os comerciantes locais: anúncios comerciais. Entre uma e outra
veiculação, notícias sobre o tempo, a sociedade local, os horários de chegada e
saída do vapor (que levava e trazia veranistas de Belém), entre outras
amenidades.
Mas o antológico ‘Seu Mansur’, que tinha lá seus
desafetos, comprou uma briga com o prefeito de Mosqueiro (hoje seria agente
distrital) e acabou levando um tiro na perna (nada demais, apenas de raspão), o
que o fez retornar a Belém, já no ano de 1960.
Como isso era a única coisa que sabia fazer, ele
procurou a prefeitura local e propôs fazer a mesma coisa – uma rádio de poste –
no centro comercial da capital. O prefeito da época era Moura Carvalho, grande
entusiasta do rádio, que permitiu que um dos pioneiros (talvez ‘o’ pioneiro)
das rádios de poste no Pará fizesse o que sabia fazer de melhor: comunicar.
A partir daí o sistema de rádio de poste começou a
funcionar pela feira do Ver o peso, depois passou pra Praça do relógio e por
último foi instalada a primeira rádio de poste do centro comercial de Belém,
que se estendia desde a Presidente Vargas até a Av. Portugal, pelas ruas João
Alfredo e Santo Antônio, além de algumas transversais como Padre Eutíquio,
Campos Sales e Padre Prudêncio. Esse perímetro que eu especifiquei acima cobre
todas as principais ruas do comércio de Belém, ou seja, a rádio de poste tinha
um enorme alcance entre os transeuntes que freqüentavam o chamado Belo Centro.
O serviço consistia em visitar uma a uma as casas
comerciais da época, tais como: Radiolux, Avistão (conhecida loja do posterior
governador do Pará), Nossa Livraria de Belém, Ótica disco de ouro, Sapataria
Carrapatoso, Sapataria Leão de Ouro, Farmácia Droganossa, Joalheria Sulamericana,
Livraria Jinkings, Papelaria e Livraria Vitória, Lojas Center, Loja de
ferragens Portuense, entre muitas, muitas outras; e oferecer o único produto da
rádio de poste: anúncios comerciais.
A coisa era feita da seguinte forma: não havia spot
gravado, a mensagem era lida, ao vivo, pelo locutor. Se o cliente pagasse por
20 inserções diárias, seriam 20 as vezes que o locutor leria o anúncio ao vivo.
Mas graças ao avanço da tecnologia logo depois veio o rolo magnético, o que
permitiu que os anúncios fossem gravados. A Aiwa, marca japonesa muito
respeitada, era pioneira da fabricação desses aparelhos (que eu via com muita
freqüência nos estúdios da casa dos meus avós e do comércio).
Durante muitos anos a MANSUR SOM foi responsável pela
veiculação dos anúncios comercias das lojas do centro comercial da capital.
Isso numa época anterior aos camelôs, às aparelhagens de rua, às lojas que
colocam uma caixa de som (como a mostrada abaixo) na frente das lojas com um
vendedor gritando na frente (e afastando os clientes com gracinhas grosseiras).
Era uma Belém mais elegante, mais classuda, que não
recebia bem gritos e essa competição por quem aumenta mais a sua caixa de som.
Competição essa em que o cidadão sempre perde, lamentavelmente.
Além das inserções comerciais – que informavam, por
exemplo, que chegaram sapatos novos nas Lojas Carrapatoso ou que a Livraria
Jinkings já está com a sua lista completa de livros didáticos – haviam também
vinhetas com a hora certa, notícias em forma de notas rápidas, vez por outra um
programa do gestor com uma breve prestação de contas, entre outras inserções
que variavam de tempos em tempos.
A rádio também prestava serviços a população, como por
exemplo, anunciava quando alguém perdia ou achava documentos no centro
comercial.
Meu avô faleceu há 4 anos, completos no dia 23 de
Junho. Faleceu com 86 anos, numa quarta-feira. Na véspera tinha ido trabalhar
normalmente, vendendo seus anúncios comerciais e recebendo por eles, nas casas
comerciais de Belém. A rádio ainda existe, hoje conta com mais de 54 anos de
funcionamento, e é gerenciada pelo meu tio mais novo, Fábio Mansur, herdeiro do
conhecimento e bom nome do Seu Mansur.
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